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segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Adolescência viral


Em 03 de setembro de 1996, há exatos 16 anos, em uma manhã de clima murrinha, no Hospital de Clinicas, recebi a notícia de que o meu teste anti-HIV havia dado positivo. A informação foi atirada em mim, como se fosse uma definição de sofrimento e morte prementes, tanto que a médica nem se deu ao trabalho de me encaminhar para o acompanhamento médico ambulatorial.
Saí da consulta e segui a vida, sem me desesperar ou responsabilizar outra pessoa, nesse dia, não chorei e, me comportei como faço na maioria das vezes em que tenho que lidar com algo difícil: dissociei-me do acontecimento que afetava profundamente a minha vida.
Aos 28 anos, já tinha aprendido, na cara e coragem, que eu deveria viver a vida por minha conta e risco e estava sozinha pra enfrentar isso também. Difícil foi contar para o meu namorado da época que me culpou de tê-lo colocado em risco e me abandonou à própria sorte –ele era muito importante pra mim e foi uma das pessoas que mais esteve ao meu lado, logo que vim morar aqui.
Na época, mesmo desconhecendo a minha sorologia, eu já era voluntária do GAPA/RS (Freud explica?) e tinha informações sobre a epidemia e de como era possível viver bem, apesar do HIV.... Tive a “sorte” de ser diagnosticada no ano da Conferência de Vancouver, quando surgiu a notícia de que estávamos a 1% da cura e surgiu a distribuição regular e gratuita do tratamento antirretroviral.
Passado um curto período, fiz mais um teste em outro serviço, onde estava recebendo treinamento para trabalhar como aconselhadora e a confirmação veio como se “aquilo não fosse comigo ou tivesse grande importância”. Desta vez, fui encaminhada para o ambulatório, onde comecei a fazer acompanhamento médico regular e passei a tomar os medicamentos, logo após receber os primeiros marcadores virais.
Alguns meses depois, uma sobrinha que eu adorava, morreu abruptamente, em um atropelamento e o meu mundo caiu; liberei toda a tristeza, raiva e emoções que estavam contidas nos últimos meses. Foi um período conturbado emocionalmente, eu estava muito fragilizada mas, tinha que continuar.
Depois de uns dias do sepultamento da minha sobrinha, a minha irmã – mãe dela – que era bem próxima a mim, veio passar uns dias em Porto Alegre e eu resolvi revelar o meu diagnóstico para duas irmãs que me importavam – eu não podia mais carregar o fardo todo sozinha.
No último ano, tive “pra morrer” por duas vezes: em uma delas com uma falência renal, que me levou a sessões de hemodiálise e na outra, com uma esofagite, que demandou 3 meses de tratamento endovenoso; no período mais crítico, eu abstraio, em uma tentativa de superação.
A constatação óbvia me foi revelada pela minha reumatologista ao conversarmos sobre as minhas internações e o meu comportamento diante da gravidade do meu quadro de saúde na época: “parece que só agora caiu a ficha pra você...” pra variar, mais uma vez ela tem razão, acho que sempre agi assim na minha vida: está acontecendo coisas ruins, se desliga até passar. A pergunta é: como adquiri a vontade de lutar para superar e continuar?
Onde encontrar a resposta para essa indagação? Preciso dessa resposta? Carreguei o estigma de “alemã insensível” por toda a minha vida que, provavelmente não saberia ser diferente.

2 comentários:

  1. Nossa, Célia, acho que este blog pode representar uma possibilidade de redenção desta tal ‘dissociação’ dos acontecimentos que afetam profundamente tua vida, como dizes. Talvez essa ‘dissociação’, na condição de ‘estratégia de sobrevivência’ eleita por ti, seja a tua própria resposta à pergunta que fazes: “como adquiri a vontade de lutar para superar e continuar?”. No teu perfil já tinhas avisado o que agora este post descreve com mais detalhes: “tenho adotado também um mantra diário para proteger a minha saúde mental: Isso não é problema meu!!!!”.
    Bem, quem te conhece pode ver aí a tua fortaleza, esse jeito objetivo e, às vezes, ‘duro’ de encarar a realidade (em todos os seus matizes de manifestação). No entanto, é sempre bom lembrar que existem outras formas, menos ‘dissociadas’, que até certo ponto podem nos tornam mais vulneráveis aos afetos presentes nos eventos da vida, mas, em contrapartida e a nosso favor, nos fazem enfrentar as adversidades como se carregássemos ‘menos peso’, com menos ‘correntes’ presas aos tornozelos a arrastar por aí.
    Enfim, gostei de ler teu registro, o qual só me confirma que cada pessoa tem um jeito próprio e que nenhum ‘estilo pessoal’ é melhor do que o outro. Não há nada para mudar, desde que se consiga conviver em paz com agente mesmo: revisitar criticamente nossas trajetórias pode ser um jeito legal de facilitar essa convivência!
    Beijos

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  2. pois tia, nao aprender a demostrar o que sentimos e como sentimos as vezes e mto bom, mas tem dias que estar a engolir o que sentimos nao e facil, tem dias que a unica coisa que apetece e gritar ao mundo o que estamos a sentir...parece que ninguem ve :(

    mas apesar de eu tb nao conseguir demostrar mto, saiba que podes contar sempre comigo!

    bjos grandes

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