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sábado, 22 de setembro de 2012

Partidas


Em mais uma tentativa inglória de ser selecionada para o Concurso Poemas no Ônibus:

As vidas
São definidas
Por chegadas e partidas,
As viagens de ônibus também.

p.s. como poetisa, devo ser uma boa psicóloga ;) 

Esse olhar


Esse olhar parado
sem hoje nem passado
Esse olhar sem espera
como canto preso
em boca entreaberta
Esse olhar cansado
desfeito
sem jeito
não grita
não chora
Esse olhar desarmado
como barco sem leme
Existe
Não posso ignorá-lo!

Eugénia Tabosa

Declarando loucuras


São loucuras que declaro,
não sei se com retidão,
mas que ao ler esteja claro,
que falo ao seu coração!

Minha mensagem é pra que ame,
sem reservas, sem nada temer,
se entregue, dê vexame,
mas nunca deixe de querer!

Nas loucuras que me espelho,
todas mostram a felicidade,
nelas acredito e aconselho,
pois todas são a verdade!

É uma loucura ardorosa,
de uma vida mais feliz,
de uma mulher mais corajosa e
de um homem sempre aprendiz! 


Jacira Cardoso

Na floresta


Na floresta
do sonho solto
tranças de alho
não espantam o desejo
do lobo mau

Sob o lençol de florezinhas
a carne rosada
transpira perfume
que atrai o lobo
come a menina
Ela não dá
um ai!

 
Valéria Villela

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Tô bege!!!!


Há coisas na vida que me deixam perplexas; ok, sou uma mulher madura e deveria não me importar com o que não está ao meu alcance.... em vários aspectos, já cheguei a conclusão que o melhor a fazer é me alienar.
Um ditado diz que “é possível tirar a pessoa da favela mas não a favela da pessoa” o mesmo se aplica ao ativismo social... se eu fosse católica ou evangélica, talvez tentasse um exorcismo para me livrar da indignação que se apodera de mim, em determinadas situações.
Nos últimos tempos, estou sendo privilegiada com informações a respeito da militância atual e, para usar um jargão gay: tô bege!!!! O que está acontecendo com as pessoas? Serão os sinais do apocalipse, já que o mundo irá acabar no final do ano?
No ‘meu tempo’ se falava na importância de se oxigenar o movimento e incentivar a formação de novas lideranças, o único oxigênio evidente é nos cabelos dos militantes do milênio passado que não percebem que prá tudo na vida há prazo de validade e insistem em um discurso rançoso... As figuras em evidência nas organizações da sociedade civil são as mesmas que se profissionalizaram no movimento social e esqueceram da razão de sua existência: a aids, tal como ela é!
Presença confirmada nos discursos de sempre, Herbert Daniel, um ser lendário e que precisa ser reverenciado como alguém que trouxe à tona a reflexão sobre viver com HIV e aids,  ele foi um militante na essência e deve estar virando-se no túmulo com os rumos que o movimento tomou – mais que os belos textos, as pessoas deveriam orientar as suas ações no que ele teve coragem de fazer: enfrentar o sistema.
Surge a questão: por que não voltar à ativa para fazer a diferença? É difícil não ser manipulada pelos meandros burocráticos, podendo manter a coerência entre teoria e prática, abrindo mão da visibilidade ou gerando intrigas com aqueles que detêm o poder para financiar as pseudoações executadas; basta visitar qualquer serviço especializado de saúde para ver isso... Para estar no topo, é preciso abrir mão dos princípios e bajular os que estão uns degraus acima da rede social. Eu não sirvo mais pra isso e não tenho condições físicas de botar a mão na massa na base que, ao que parece está descoberta, tendo em vista que os dirigentes passam em reuniões e viagens e não tem tempo de tratar das ‘questões menores’ e que realmente influenciam na vida daquelas e daqueles que vivem com HIV e aids.
Não é à toa que a epidemia tornou-se uma endemia; enquanto não surgir alguém que tenha a coragem de chutar o balde do governo, a nossa realidade só tende a piorar...

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Oportunista

Com a troca de infectologista, repeti uma série de exames de rotina – que eu julgava banais e tinha “a certeza” dos resultados. Dentre eles havia a solicitação para um mantoux (Porto Alegre é uma das cidades com maiores índices de TB do país), como não apresentava sintoma algum e ainda estava em tratamento no hospital-dia, os médicos do Sanatório Partenon sugeriram que eu esperasse o retorno do técnico do serviço, que estava em férias, para então realizar o exame. No final de abril, ao fazer o exame, fui surpreendida com uma importante induração no braço esquerdo... Realizei os exames complementares – raio-x e tomografia – e também uma fibrobroncoscopia que apontou a presença do bacilo na biópsia. O tratamento da doença é feito pelo SUS, fui encaminhada pela minha médica para o Hospital Sanatório Partenon, onde passei pelo pneumologista que disponibilizou a medicação necessária para o mês. Estranhei estar novamente em um ambulatório de saúde pública, cercada de “pacientes diferenciados”, que dependiam unicamente daquele atendimento para garantir a recuperação da saúde e tinham demandas sociais importantes para realizar o acompanhamento. Fui ‘privilegiada’ por ser atendida por um médico que se “ocupa” do paciente, ao contrário da maioria dos profissionais de saúde pública, eu falo isso com tranquilidade porque já fiz parte do sistema como profissional e paciente.... A primeira consulta foi “encaixe” com o médico disponível e, a partir do segundo mês, eu peguei o jeito para não passar a tarde toda sentada esperando a minha vez de ser atendida: consigo pegar a primeira senha para o médico que está monitorando o meu tratamento. Em agosto, no terceiro mês de tratamento, ele disse que eu precisaria fazer um raio-x de controle, perguntei se não havia como me dar uma requisição para eu fazer pelo convênio porque demoraria muito para realizar pelo SUS, ele respondeu que eu faria o exame logo após a consulta e foi o que aconteceu – nada como estar com uma doença contagiosa para o sistema funcionar!!!! Há bastante tempo que eu conheço um projeto de exercícios físicos para pessoas com aids, desenvolvido pela Faculdade de Educação Física da UFRGS, finalmente resolvi deixar de ser sedentária e entrei em contato com o coordenador do Projeto; na entrevista, ao fazer a anamnese, ele me colocou que eu preciso concluir o tratamento da TB para poder iniciar os exercícios... como a previsão inicial era de terminar no final de novembro e a faculdade entra em férias logo a seguir, só poderei começar no ano que vem – até lá, pode ser que a vontade passe!!!! Também preciso torcer para que não surja nenhuma outra complicação... No retorno em setembro, além de aumentar a dose de medicamentos para 4 comprimidos por dia, ele aventou a possibilidade de eu precisar de 9 meses de tratamento (ao contrário dos 6 meses rotineiros); aí surge a questão: se aderi aos medicamentos, levo uma vida regrada e os meus marcadores virais são bons, por quê isso acontece comigo? Estou com a segunda doença oportunista do ano e, no caso atual, não tive nenhuma tossezinha.... a minha tuberculose é tão subjetiva quanto à aids.... Começo a cogitar a possibilidade de ter células de defesa de baixa qualidade – como disse um amigo: têm cd4 que não é bom...” – admitir que estou seriamente doente (mesmo que não sinta nada) e me adaptar à vida com limitações. O que me deixa indignada é o fato de muitas pessoas serem irresponsáveis com o tratamento, cometerem os mais variados excessos e mesmo assim, terem uma saúde de dar inveja (ainda se fazem de coitadinhos porque tem aids...) Vão se f... Sigo a vida e não vou permitir me abater, eu faço a minha parte e se o meu organismo não quer colaborar, deve haver alguma razão cósmica para isso. Estou aqui e vivo esse momento!!!!

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Adolescência viral


Em 03 de setembro de 1996, há exatos 16 anos, em uma manhã de clima murrinha, no Hospital de Clinicas, recebi a notícia de que o meu teste anti-HIV havia dado positivo. A informação foi atirada em mim, como se fosse uma definição de sofrimento e morte prementes, tanto que a médica nem se deu ao trabalho de me encaminhar para o acompanhamento médico ambulatorial.
Saí da consulta e segui a vida, sem me desesperar ou responsabilizar outra pessoa, nesse dia, não chorei e, me comportei como faço na maioria das vezes em que tenho que lidar com algo difícil: dissociei-me do acontecimento que afetava profundamente a minha vida.
Aos 28 anos, já tinha aprendido, na cara e coragem, que eu deveria viver a vida por minha conta e risco e estava sozinha pra enfrentar isso também. Difícil foi contar para o meu namorado da época que me culpou de tê-lo colocado em risco e me abandonou à própria sorte –ele era muito importante pra mim e foi uma das pessoas que mais esteve ao meu lado, logo que vim morar aqui.
Na época, mesmo desconhecendo a minha sorologia, eu já era voluntária do GAPA/RS (Freud explica?) e tinha informações sobre a epidemia e de como era possível viver bem, apesar do HIV.... Tive a “sorte” de ser diagnosticada no ano da Conferência de Vancouver, quando surgiu a notícia de que estávamos a 1% da cura e surgiu a distribuição regular e gratuita do tratamento antirretroviral.
Passado um curto período, fiz mais um teste em outro serviço, onde estava recebendo treinamento para trabalhar como aconselhadora e a confirmação veio como se “aquilo não fosse comigo ou tivesse grande importância”. Desta vez, fui encaminhada para o ambulatório, onde comecei a fazer acompanhamento médico regular e passei a tomar os medicamentos, logo após receber os primeiros marcadores virais.
Alguns meses depois, uma sobrinha que eu adorava, morreu abruptamente, em um atropelamento e o meu mundo caiu; liberei toda a tristeza, raiva e emoções que estavam contidas nos últimos meses. Foi um período conturbado emocionalmente, eu estava muito fragilizada mas, tinha que continuar.
Depois de uns dias do sepultamento da minha sobrinha, a minha irmã – mãe dela – que era bem próxima a mim, veio passar uns dias em Porto Alegre e eu resolvi revelar o meu diagnóstico para duas irmãs que me importavam – eu não podia mais carregar o fardo todo sozinha.
No último ano, tive “pra morrer” por duas vezes: em uma delas com uma falência renal, que me levou a sessões de hemodiálise e na outra, com uma esofagite, que demandou 3 meses de tratamento endovenoso; no período mais crítico, eu abstraio, em uma tentativa de superação.
A constatação óbvia me foi revelada pela minha reumatologista ao conversarmos sobre as minhas internações e o meu comportamento diante da gravidade do meu quadro de saúde na época: “parece que só agora caiu a ficha pra você...” pra variar, mais uma vez ela tem razão, acho que sempre agi assim na minha vida: está acontecendo coisas ruins, se desliga até passar. A pergunta é: como adquiri a vontade de lutar para superar e continuar?
Onde encontrar a resposta para essa indagação? Preciso dessa resposta? Carreguei o estigma de “alemã insensível” por toda a minha vida que, provavelmente não saberia ser diferente.

Essência


Soube-o,
naquele exacto momento,
sem prévio aviso ou sussurrar,
e da surpresa fez-se o encanto
de em teus olhos descobrir
toda a infinita essência.

A vida feita num instante
de um instante
por um instante
como uma eternidade.

 
Carla Marisa Pereira 

A serenata


Uma noite de lua pálida e gerânios
ele viria com boca e mão incríveis
tocar flauta no jardim.
Estou no começo do meu desespero
e só vejo dois caminhos:
ou viro doida ou santa.
Eu que rejeito e exprobo
o que não for natural como sangue e veias
descubro que estou chorando todo dia,
os cabelos entristecidos,
a pele assaltada de indecisão.
Quando ele vier, porque é certo que ele vem,
de que modo vou chegar ao balcão sem juventude?
A lua, os gerânios e ele serão os mesmos
- só a mulher entre as coisas envelhece.
De que modo vou abrir a janela, se não for doida?
Como a fecharei, se não for santa?


Adelia Prado

Eu sou, será?


Eu sou a brisa
Que te beija em silêncio
Sou a Lua
Na sua noite escura
Apagando as trevas
Acendendo a luz
Pra te indicar o caminho
Sou vento de temporal
Sou pranto e dor
Querendo encontrar seu amor
Sou sua sombra
Sua sinfonia
Sua chegada
Sem partida
Sou toda uma vida
Sou espelhos a te projetar
Sou um coração
Que só faz te amar.....


Edna Berta