Em 03 de setembro de 1996, há exatos 16 anos, em uma manhã
de clima murrinha, no Hospital de Clinicas, recebi a notícia de que o meu teste
anti-HIV havia dado positivo. A informação foi atirada em mim, como se fosse
uma definição de sofrimento e morte prementes, tanto que a médica nem se deu ao
trabalho de me encaminhar para o acompanhamento médico ambulatorial.
Saí da consulta e segui a vida,
sem me desesperar ou responsabilizar outra pessoa, nesse dia, não chorei e, me
comportei como faço na maioria das vezes em que tenho que lidar com algo
difícil: dissociei-me do acontecimento que afetava profundamente a minha vida.
Aos 28 anos, já tinha aprendido,
na cara e coragem, que eu deveria viver a vida por minha conta e risco e estava
sozinha pra enfrentar isso também. Difícil foi contar para o meu namorado da
época que me culpou de tê-lo colocado em risco e me abandonou à própria sorte
–ele era muito importante pra mim e foi uma das pessoas que mais esteve ao meu
lado, logo que vim morar aqui.
Na época, mesmo desconhecendo a
minha sorologia, eu já era voluntária do GAPA/RS (Freud explica?) e tinha
informações sobre a epidemia e de como era possível viver bem, apesar do
HIV.... Tive a “sorte” de ser diagnosticada no ano da Conferência de Vancouver,
quando surgiu a notícia de que estávamos a 1% da cura e surgiu a distribuição
regular e gratuita do tratamento antirretroviral.
Passado um curto período, fiz
mais um teste em outro serviço, onde estava recebendo treinamento para
trabalhar como aconselhadora e a confirmação veio como se “aquilo não fosse
comigo ou tivesse grande importância”. Desta vez, fui encaminhada para o
ambulatório, onde comecei a fazer acompanhamento médico regular e passei a
tomar os medicamentos, logo após receber os primeiros marcadores virais.
Alguns meses depois, uma sobrinha
que eu adorava, morreu abruptamente, em um atropelamento e o meu mundo caiu;
liberei toda a tristeza, raiva e emoções que estavam contidas nos últimos
meses. Foi um período conturbado emocionalmente, eu estava muito fragilizada
mas, tinha que continuar.
Depois de uns dias do
sepultamento da minha sobrinha, a minha irmã – mãe dela – que era bem próxima a
mim, veio passar uns dias em Porto Alegre e eu resolvi revelar o meu
diagnóstico para duas irmãs que me importavam – eu não podia mais carregar o
fardo todo sozinha.
No último ano, tive “pra morrer”
por duas vezes: em uma delas com uma falência renal, que me levou a sessões de
hemodiálise e na outra, com uma esofagite, que demandou 3 meses de tratamento
endovenoso; no período mais crítico, eu abstraio, em uma tentativa de
superação.
A constatação óbvia me foi
revelada pela minha reumatologista ao conversarmos sobre as minhas internações
e o meu comportamento diante da gravidade do meu quadro de saúde na época:
“parece que só agora caiu a ficha pra você...” pra variar, mais uma vez ela tem
razão, acho que sempre agi assim na minha vida: está acontecendo coisas
ruins, se desliga até passar. A pergunta é: como adquiri a vontade de lutar
para superar e continuar?
Onde encontrar a resposta para
essa indagação? Preciso dessa resposta? Carreguei o estigma de “alemã
insensível” por toda a minha vida que, provavelmente não saberia ser diferente.