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sábado, 28 de setembro de 2013

Um dia a menos

(...) Sempre que distraidamente via seu nome escrito lembrava-se de seu 
apelido na escola primária: Margarida Flores de Enterro. Por que alguém não se 
lembrava de apelidá-la de Margarida Flores do Jardim? É que as coisas 
simplesmente não eram do seu lado. Pensou uma bobagem: até a sua pequena cara 
era de lado. Em esquina. Nem pensava se era bonita ou feia. Ela era óbvia. 
Depois. 
Depois não tinha problemas de dinheiro. 
Depois havia o telefone. Telefonaria para alguém? Mas sempre que telefonava 
tinha a impressão nítida de que estava sendo importuna. Por exemplo, 
interrompendo um abraço sexual. Ou então era importuna por falta de assunto. 
E se alguém lhe telefonasse? Iria ter que conter o trêmulo da voz alegre por 
alguém enfim chamá-la. Supôs o seguinte: 
- Trim-trim-trim. 
- Alô? Sim? 
- É Margarida Flores de Jardim? 
Diante da voz masculina tão macia, responderia: 
- Margarida Flores de Bosques Floridos! 
E a cantante voz a convidaria para tomarem chá de tarde na Confeitaria 
Colombo. Lembrou-se a tempo que hoje em dia um homem não convidava para tomar 
chá com torradas e sim para um drinque. O que já complicaria as coisas: para um 
drinque se deveria ir na certa vestida de modo mais audacioso, mais misterioso, 
mais pessoal, mais... Ela não era muito pessoal. E que incomodava um pouco, não 
muito.
E, além do mais, o telefone não tocou. 

Clarice Lispector

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